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(In)segurança

  • jacmoreira2001
  • 30 de set. de 2024
  • 7 min de leitura

Os últimos 3 dias foram muito diferentes e intensos. Cada dia é uma aprendizagem nesta terra tão diferente. 

Primeiro relativamente aos meus textos anteriores, para os que ficaram assustados, quero clarificar que todos os carros para alugar aqui têm muito menos condições do que o que estamos acostumados em Portugal. Cintos de segurança só existem para os bancos da frente. Há motor e travões e para eles isso é suficiente. Muitos carros andam até com o vidro todo rachado e partes partidas. Aqui infelizmente isto é o normal, e se eu quero viver aqui 6 meses, o meu conceito de “segurança” tem de alterar, se não não saio de casa. Em conversa com umas professoras portuguesas que conheci no domingo percebi que este carro que alugamos até é dos melhores que existe aqui. Eu estou num sítio onde as únicas 3 formas de me deslocar a longas distâncias são: de carro alugado (que são todos do género deste), de Hiace (que são os táxis daqui que têm 9 lugares mas que levam no mínimo 14 pessoas, inclusive na bagageira) ou de motoqueiro (que no fundo é andar na parte de trás de uma mota sem capacete). Na rua estou constantemente a ser assobiada e assediada por ser branca e mulher e a Ana já nos explicou que, apesar de estarmos num país relativamente pacífico, os casos de violação são frequentes porque muitas destas pessoas são prostituídas pelos pais em criança e por isso têm uma visão da sexualidade completamente disfuncional e errada e não percebem onde está o mal em violar alguém.   Seja na rua ou dentro de casa, estou sempre em risco de apanhar malária porque há mosquitos em todo o lado. Resumindo, não há nenhuma forma “segura” de sair à rua aqui para os padrões de segurança portugueses. Assim que coloco um pé fora da porta de casa  estou automaticamente em risco. Claro que há regras simples e coisas que posso fazer para evitar chatices como por exemplo nunca andar sozinha e não dar muita confiança a pessoas que não conheço; tomar a medicação para a malária, usar repelente de pele e de roupa e dormir debaixo de uma mosquiteira e tomar todas as outras precauções de saúde necessárias à sobrevivência aqui. De resto, não há muito que eu possa fazer. Por isso: para eu viver e não apenas sobreviver estes meses tenho claramente de alterar os meus padrões de segurança de primeiro mundo. Se não vou viver amedrontada com tudo. Pensei em omitir estas histórias dos meus textos para não preocupar os meus amigos e família pois percebo que vos deixe ansiosos, mas estes textos também servem para eu relatar a realidade deste sítio. E não estaria a ser verdadeira se não falasse sobre isto. Escolhi vir ajudar num país de terceiro mundo porque é onde vou (espero) ter mais impacto, e isso tem as suas consequências. Infelizmente a pobreza vem com tudo isto: falta de segurança, mentalidades atrasadas no tempo e uma visão do mundo e da vida muito primitiva. Não olho para isto de ânimo leve, eu própria me preocupo comigo, mas temos todos que nos habituar à ideia de que aqui a vida é diferente, por muito que custe!


Esta vertente da segurança e da pobreza, apesar de ser importante, é das poucas coisas “más” deste sítio - o que torna tudo mais fácil. Estou totalmente apaixonada pelo estilo de vida simples que temos levado estes dias. Não sei se já referi mas aqui o sol nasce às 5h30 e põe-se às 17h30. Acordamos com as galinhas (literalmente- o nosso despertador é um galo que mora aqui ao lado) e o dia é super produtivo - às 15h já fizemos 30 coisas diferentes, jantamos cerca das 18h e às 20h já estamos prontos para ir dormir. Estou totalmente apaixonada pelas pessoas daqui (se os estrangeiros acham que os portugueses são amigáveis, deviam vir visitar São Tomé). É verdade que me olham de lado na rua e nos primeiros dias eu sentia esse olhar com um significado de “não és bem vinda”. Mas à medida que vou conhecendo o povo vou percebendo que esse olhar é apenas de estranheza. Nós somos uma minoria aqui e algumas crianças nunca viram um branco na vida. É normal que estranhem. O mesmo senhor que me olha de lado é o primeiro a ajudar-me se perceber que estou perdida. Estou totalmente apaixonada pela paisagem daqui. Ainda não me habituei ao facto de viver literalmente à frente do mar que contrasta com o verde das palmeiras infinitas e de estar a 10 passos da praia e de, à noite, se olhar pela janela do meu quarto, conseguir contar mais de 100 estrelas. 




No domingo fomos à praia das 7 ondas, que é onde vamos ter as sessões de surf com as miúdas. Fomos de carro (o mesmo que alugamos no dia anterior) e a praia é linda linda linda. É grande, com areia preta e dá a sensação de que se está a sair da selva e a entrar no mar. Na praia encontrámos um grupo de portuguesas. Eram todas professoras que estão cá a viver. Levámos as pranchas de surf. O mar estava meio partido e não deu para surfar grande coisa mas eu entrei na mesma e fiquei no inside a apanhar ondas verdes pequeninas. Quando a maré começou a vazar deu para apanhar umas mini esquerdas giras. Adoro mini ondas! Claro que despassarada como sou algum azar tinha de acontecer e quando saí do mar reparei que a prancha tinha menos 2 quilhas, uma delas soltou-se e a outra partiu-se mesmo. Ainda as fui procurar mas sem sucesso.

Como fiquei sem prancha para surfar e a minha hiperatividade não me permite ficar parada na praia, pus-me a brincar com um grupo de crianças que costumam andar por lá. Ensinei-lhe todos os jogos que me lembrei. Jogámos à mosca, ao rei manda, ao macaquinho do chinês, ao telefone estragado, à apanhada e ao mata. “Outro jogo!”- pediam eles assim que acabava um. No telefone estragado eles inventavam frases como “Branca dá-me doce” ou “Branca dá-me euro”. Estes miúdos tomavam banho nús e andavam com uma catana para ir buscar côcos às árvores da praia para nos oferecer. Os rapazes davam-nos fruta apanhada por eles e as raparigas conchas encontradas por elas. As conchas aqui são muito diferentes. São redondas e têm o formato de uma flor. Há fruta espalhada por toda a praia: côco, mamão, manga, e muitas que eu ainda não sei o nome. É simplesmente paradisíaca. Fomos comer a um restaurante que nos serviu fruta-pão com óleo de palma e carne de porco. Esta última tinha tão mau aspeto que enviámos para trás e trocámos de restaurante. Aí comemos polvo, choco, banana e fruta-pão fritos. O polvo estava carregado de picante como de costume e não consegui terminar o meu. Tenho de me lembrar de pedir sempre a comida sem picante quando como fora. Voltámos para casa de boleia (outra forma de transporte que me esqueci de enunciar anteriormente). Como funciona isto da boleia? Posicionamo-nos no lado certo da estrada para onde queremos ir, esticamos o polegar e a primeira carrinha que parar entramos. Nesta carrinha íam no mínimo 15 pessoas (com 9 assentos). Aqui é normal. 




Na segunda feira foi o primeiro dia de formação. Acordei cedinho e fui surfar com o António para a onda de Santana que é mesmo em frente a nossa casa. O fundo é rochoso e temos de entrar por um pontão mas estava maré cheia, o mar não parecia estar muito grande e estava com o António. Sentia-me segura. Desde que entramos no mar até que chegamos à zona onde há ondas ainda temos de remar bastante. Quando chegámos o António apanhou logo umas boas ondas e eu apercebi-me de que se calhar o mar não estava assim tão pequeno. Entretanto chegaram outros 2 rapazes aqui de Santana. Decidi ficar só no outside até que o mar começou a crescer. Levei com um set em cima sem conseguir passar por baixo das ondas (estava com uma 7’ soft - um barco portanto). Como o fundo é rochoso comecei a ficar com medo, esperei que o set acabasse e chamei o rapaz que estava mais perto de mim. Pedi-lhe que saísse do mar comigo porque estava com medo de sair sozinha e ele conhece aquela praia muito melhor que eu. Ele foi muito querido, disse-me que não precisava de ter medo e que sim, saía do mar comigo. Fomos a remar para terra enquanto conversávamos e no final ele ajudou-me a sair. Saiu primeiro, pousou a sua prancha, desceu para vir segurar na minha enquanto eu subia e subiu outra vez com a minha prancha. Agradeci-lhe muito e pedi desculpa pelo incómodo. Agora já sei que não posso entrar no mar quando está com aquele tamanho. 


Mais pelo fim da manhã tivemos formação. Falámos sobre o facto de ser muito frequente os rapazes daqui tentarem ter relações amorosas com as portuguesas que vêm de voluntariado, sobre os piropos e assédios que recebemos no dia a dia, sobre as mães nos pedirem para sermos madrinhas dos seus filhos e sobre tentarem casar-nos com os seus filhos para os enviarem para Portugal para terem uma vida melhor. E sobre como lidar com tudo isto. Aqui uma amizade entre um rapaz e uma rapariga é muito rara e pode ser muito mal interpretada. Algo estranho para mim que tenho tantos amigos rapazes em Portugal . Mais uma vez, é uma realidade diferente  e tudo o que podemos fazer é arranjar mecanismos para conseguir lidar melhor com a mesma. Não quer dizer que não possamos ser amigas de rapazes daqui, mas por exemplo ir passear só a dois ou ir almoçar sozinha a casa de uma família já é algo que não convém fazer. Andar sempre em grupo é uma boa opção.

 Passámos o resto do dia a arrumar o clube onde vamos trabalhar. O clube tem 3 salas: uma para arrumação de material de surf, outra onde estamos com as miúdas no dia a dia e para os workshops, e uma terceira que vai servir como escritório para quando precisarmos de ter uma conversa mais privada com alguma rapariga ou com os seus pais, e onde armazenamos o material que temos de suplente, que não deve estar à vista delas para não passar uma ideia de abundância. 

Jantámos todos juntos, como de costume, mas desta vez cozinhado por nós: esparguete com chouriço e salcichas. 


Nota: as fotografias e qualidade melhorzinha (como esta aqui em baixo) são tiradas pela Clara com a câmera do António. Nesta fotografia estou eu e o António e foi tirada momentos antes do meu susto no mar. Coloquei como fundo de ecrã do telemóvel.



 
 
 

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