O Tempo
- jacmoreira2001
- 10 de out. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 23 de out. de 2024
Em português, a palavra “tempo” tem diferentes significados: tempo do relógio e tempo meteorológico. Aqui em São Tomé o tempo é muito diferente, em todos os significados da palavra.
Estou em São Tomé há quase 3 semanas e parece que estou há 3 meses. Aqui o tempo passa de forma diferente. Há qualquer coisa na atmosfera de mágico quase sobrenatural que faz com que a relatividade do tempo seja muito maior. O povo aqui é super supersticioso. Acreditam em feiticos e coisas do género. A energia aqui é diferente (e eu nem acredito muito nisso das energias). O facto de os dias começarem e acabarem mais cedo também deve influenciar este fator. Se eu já não tinha muita noção de espaço, agora para juntar à festa vem a falta de noção de tempo. Pensei que esta falta de noção se aplicasse apenas a quem vem de fora e se depara com esta energia diferente. Mas pelo que tenho percebido, os locais sofrem do mesmo. Se perguntar a duas meninas que andam na mesma escola quanto tempo demoram da vila até à escola, uma é capaz de responder 15 minutos e outra uma hora. Cá usam muito a expressão “tempo de relógio”. Exemplo: no outro dia perguntei ao taxista que nos costuma acompanhar quanto tempo se demora de Santana até à praia Sete Ondas ao que ele me respondeu “tempo meu ou tempo de relógio?” Isto porque eles têm noção de que o tempo é relativo e que a sensação do tempo que passa muitas vezes não é real e é diferente do tempo que passa no relógio. No outro dia chamámos uma Hiace para ir à cidade, que supostamente estava a 10 minutos. O senhor apareceu passado uma hora. Quando finalmente chegou e o confrontámos com o atraso, ele parecia nem estar a perceber e disse que demorou o tempo exato que nos tinha dito - 15 minutos.
Ontem fui surfar a 7 ondas. Primeiro fomos a Água-Izé ver como estava o mar e depois a 7 ondas. O mar estava mais calminho nesta última, estava melhor para mim. Os rapazes preferiram ir surfar a Água-Izé e eu preferi ficar sozinha em 7 ondas a surfar. Tinha deixado o telemóvel em casa, não tinha forma de ver horas e combinámos que eles me apanhavam na praia quando regressassem de Água-Izé. Deixei a mochila no bar da praia que é gerido por portugueses, e entrei no mar. Foi incrível. Tinha o mar só para mim. Surfei as ondas verdes do inside e quando vinha o set treinava bico de pato. Estou a dar-me muito bem com esta prancha. É uma longboard 6.6 da SET Boarding encarnada, com muitos litros, larga mas levezinha, como eu gosto. Não é ideal para fazer bico de pato mas se conseguir fazer com esta prancha, mais facilmente faço com outras mais pequenas, é um bom treino. Na minha cabeça estive 1 hora a surfar. Quando me cansei saí da água e pensei “ eles ainda devem estar no mar, ainda demoram, vou alongar e depois ainda deve dar tempo de rezar um bocadinho, ir apanhar uns cocos do coqueiro, apanahr conchinhas, etc.” Assim que me sentei na areia para alongar, vejo o António a andar na minha direção. “Foram rápidos”, disse ao António. Ele mostrou-me as horas. Tinham passado quase 3 horas desde que me tinham deixado na praia. Estive pelo menos 2 horas e pouco no mar. Foi 1 hora minha, 3 de “tempo de relógio”.
O tempo meteorológico é muito imprevisível. Não consigo acordar de manhã, olhar para a janela e dizer “hoje vai estar sol”. Mesmo que esteja um sol abrasador e céu limpo, a probabilidade de , durante a tarde, chover torrencialmente, é muito elevada. A temperatura é sempre a mesma. Não tenho visto a meteorologia mas a minha sensação térmica é de 30º para cima. De vez em quando passa uma brisa fresca vinda do mar e à noite é quando é mais suportável. De resto, mesmo com chuva, faz muito calor. Estou sempre a transpirar e tenho sempre o cabelo molhado porque não chega a secar. No outro dia choveu ao ponto de começar a pingar água dentro de casa. Nos dois quartos e logo em cima das camas. Colocámos alguidares e panelas para aproveitar a água para depósito que já percebemos que de vez em quando é preciso quando nos falha a água em casa. Aqui o alcatrão não abunda, pelo que quando chove, o chão é lama. Tenho usado e abusado das minhas botas velhas (muito obrigada à pessoa que me aconselhou trazer botas) e aplicado bastante as competências que os 3 anos de patinagem artística me deram. Tudo tem um propósito.
Quando chove a vida não para. Não se vê guarda-chuvas aqui. Como a maior parte das vezes são apenas chuviscos, faz-se tudo como se não estivesse a chover (com exceção dos dias em que chove mesmo muito). Um vizinho comentou comigo em conversa que estamos na melhor época do ano para os Santomenses. Como chove muito, a terra é mais fértil, dá mais fruto, há mais vendas e mais comida, os Santomenses fazem mais dinheiro, estão felizes. Este vizinho trabalha numa plantação de cacau e é o meu fornecedor semanal de Cacau. Amo cacau. Ontem disse-me que tem uma surpresa para mim hoje ás 12h. Espero que seja cacau!
Em baixo: fotografia tirada da janela do corredor, às 6h50 da manhã

Comments