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Primeiro dia

  • jacmoreira2001
  • 26 de set. de 2024
  • 4 min de leitura

Estou a chegar ao aeroporto e nem parece real. Aperto a mão do Duarte (irmão)  com toda a minha força para libertar  adrenalina. Está mesmo a acontecer! Depois de um ano cheio de incertezas, estou a cumprir um sonho: vou passar meio ano numa realidade totalmente diferente, que me faça sair da minha zona de conforto, longe de tudo e de todos os que conheço.

Depois das custosas despedidas da minha família embarco com a Clara e o António no voo de Lisboa para Luanda. Ainda meio tímidos, vamo-nos conhecendo. Afinal vamos passar 6 meses a viver na mesma casa numa realidade paralela e convém gostarmos uns dos outros (algo com que até agora não me preocupei, por todos parecerem pessoas extraordinariamente impecáveis).

O voo foi de 7 horas e meia e o maior em que eu já estive. Passou rápido e deu para dormir bastante (claro que não vi nem um décimo dos episódios que descarreguei para a viagem nem ouvi um vigésimo dos podcasts descarregados). O voo de Angola para São Tomé atrasou um pouco mas o piloto compensou no ar.


’Corta para história engraçada:

Perto da hora prevista para a descolagem o avião começa a acelerar na pista quando pára subitamente. Pensei: “pronto é isto. gostei muito de viver até aos 22 obrigado Deus!!! pena ter sido uma vida curta porque até estava a ser interessante“.

Logo a seguir o piloto fala para o intercomunicador “ lamentamos informar…. que temos muita pena….mas infelizmente….. não conseguimos descolar……porque se encontra um cão na pista impedindo a passagem do avião” (????!!!) todos riram e o piloto acrescenta “é verdade. Esse mesmo cão já foi reportado por mim há 2 semanas porque isto continua a acontecer”

Passado 10 min retiraram o cão da pista e o avião descolou.



Assim que começamos a aterrar, olho para a janela e fico pasmada como é incrivelmente mais bonita que nas fotografias. Apesar do céu cinzento claro que cobria a ilha, as suas palmeiras infinitas e o vasto mato colado a um mar azul berrante não enganam ninguém: chegámos a São Tomé!


Quando saímos do aeroporto tínhamos o Adjay (taxista) à nossa espera. Cá a forma mais comum de nos deslocarmos é de motoqueiro ou de taxi a que eles chamam Hiace  (os táxis são carrinhas amarelas Toyota Hiace). Dou por mim à procura de um cinto de segurança inexistente e diante de mim um trânsito meio caótico (digamos que regras de trânsito não abundam aqui). Fomos de Hiace para Santana, onde ficamos alojados. O caminho do aeroporto para Santana foi o momento em que tive o primeiro contacto com a realidade Santomense. Há barracas em vez de casas, terra em vez de estradas e mesmo assim,  muitos, muitos sorrisos.  Mulheres e meninas com mais equilíbrio na cabeça que eu alguma vez tive em cima de uma prancha de surf. Não há nada que elas não levem na cabeça. Ao passar, meninos acenavam-me ou olhavam fixamente para mim como se fosse uma ET. “Olá brránca!!”, diziam eles. 


Assim que chegámos a Santana, fomos deixar as malas em casa e fomos almoçar a casa de uma vizinha: uma mulher linda com 35 anos e 4 filhos. A Ana (voluntária que já cá esteve e que fica connosco até novembro)  diz que “ela até tem um marido fixe, que até se envolve na educação dos filhos” (algo para mim banal, mas pelos vistos raro por aqui). Foi nesse almoço que tive o maior choque. A senhora acolheu-nos da melhor forma na sua “casa”. Coloco entre parênteses porque me custa chamar àquela barraca de zinco, com buracos no telhado e terra misturada com chão uma casa. Mas é a sua casa e é igualzinha à maior parte das outras todas que visitámos. Um grupo de mulheres juntava-se à porta de casa sentadas a entrançar o cabelo (uma das ocupações mais frequentes das mulheres Santomenses). Os filhos brincavam, felicíssimos, ora dentro de casa, ora no meio da estrada, com um carrinho de legos bastante antigo e uns binóculos de plástico gastos que faziam tudo parecer verde ranhoca. Andam descalços e com roupa rota. Não passam fome porque a natureza dá-lhes tudo. Posso dizer que nunca conheci crianças tão felizes. Ironicamente, estes meninos pareceram-me mais felizes e menos birrentos que os meus miúdos do babysitting em Portugal que estudam no colégio francês.

Com todo o choque não sabia bem o que dizer ou fazer e limitei-me a brincar com eles. Ensinei-lhes o jogo da sardinha e eles adoraram. 

O almoço estava delicioso: banana cozida, fruta-pão e frango com picante. Como tenho a tolerância de um chihuahua ao picante não consegui comer o frango. Adorei, ou melhor, AMEI fruta-pão. Como é que uma fruta pode ser salgada?? A textura e o sabor fizeram as minhas papilas gustativas delirar e vou comer isso sempre que puder. A senhora ainda nos deu a provar vinho de palma  feito por ela. Explicou que é leite de palmeira fermentado. Detestei mas fingi que adorei. Experimentei cacau, que não se parece nada com aquilo que imaginei. Supostamente o cacau é uma fruta que contém bagos que se chupam. Dentro desses bagos estão outros mini bagos que é o que dá origem ao chocolate. Eu gostei bastante mas a primeira vez que provei comi da forma errada: em vez de chupar, trinquei , e o sabor do cacau puro é meio estranho.

Fomos para casa arrumar o resto das coisas e assim que cheguei deu-me vontade de chorar. O sentimento de culpa por ter uma vida boa assoberbou-me e desejei que fosse possível inverter os papéis. Não faz qualquer tipo de sentido eu ter tudo o que tenho e estas pessoas terem tão pouco.

Fomos jantar à casa de outra vizinha. Comemos um ótimo peixe espada (a que eles chamam Andála) frito com arroz. Durante o jantar apareceu a filha dela, que elogiou os meus anéis e eu tive vontade de lhos dar todos. 


Foi um dia muito cansativo e cheio de emoções. Eu já sabia que o choque cultural ia ser grande. No fundo estou a adorar, e muito entusiasmada para o que se segue!




 
 
 

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1 commentaire


marioamoreira
29 sept. 2024

Alô filha,

Segunda tentativa para participar no teu blogue, pois a anterior não fiz o log in bem e foi tudo ao ar! Prosas perdidas...

Parece que é esta semana que começas a sério, certo ? Não é que até agora tenha sido a brincar mas foram sobretudo preparativos para conhecerem a realidade, creio.

Aqui neste canto da europa continua tudo mais ou menos igual. Um precalço chato para mim, pois estou engripado e a formação como Walter no Yoga ficou para outra vez.


A ideia do blogue é gira, mais ou menos como uns emails partilhados, mas vamos ver se desta vez fiz as coisas bem. beijoka, linda, tudo aa correr bem.

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