Um domingo diferente
- jacmoreira2001
- 3 de out. de 2024
- 6 min de leitura
Domingo é um dia que merece um post só dedicado ao mesmo. Nem sei por onde começar. Será pelo início, para variar. Acordámos às 6h para sair de casa às 7h. Queríamos aproveitar o dia ao máximo porque tínhamos carro. A primeira paragem foi o mercado de Bobo Forro. Muito confuso e pouco higiénico para padrões portugueses, mas normalíssimo para África. A comida era exposta em cima de panos no chão e cheia de moscas. Fez-me lembrar o mercado da praça Jemma el-Fnaa, em Marrakesh, mas mais caótico. Inflacionaram os preços para nós como nós em Portugal inflacionamos para os estrangeiros do norte da Europa. Comprei fruta e legumes (pepino, tomate, alho, pimento, abacate, banana, etc.) A fruta coitadinha passou o dia todo no carro. Já explico.
Depois do mercado fomos à roça Agostinho Neto. Assim que chegámos veio um rapaz (o Leo) a correr em direção ao nosso carro. Apresentou-se e disse que fazia visitas guiadas pela roça, sem preço fixo. No fim pagávamos o que quiséssemos (género free walking-tour). A visita foi muito interessante e ainda durou algum tempo. Aprendi muito. Para quem não sabe, quando São Tomé foi descoberto estava inabitado. Os portugueses povoaram a ilha com escravos e encheram-na de roças, tornando-a numa autêntica fábrica de cacau e café no oceano atlântico. Ou seja, quase todos os Santomenses são descendentes de escravos. Ouvir a forma como os escravos eram “capturados” e negociados faz-me confusão. Eu sei que não fomos o único povo no mundo que fez isto e que na altura era comum e blá blá blá, mas o que raio se passava na cabeça destas pessoas ?!!?!! Negociar PESSOAS??!! Sim eu sei que ainda hoje em dia infelizmente isso acontece em algumas partes do mundo (e também no futebol) mas na altura isto era normalizado!! Louvada seja a evolução!!
A roça estava cheia de crianças meio nuas a pedirem-nos coisas. Dei as pulseiras e os colares que estava a usar. Ficaram contentes. No fim da visita, outro rapaz levou-nos a uma cascata lá perto. Já alguma vez estiveram dentro de uma cascata? Quando digo "dentro" é estarem cá embaixo entre o precipício e a queda da água. É simplesmente mágico! A água cai com muita força e se nos pusermos debaixo da queda até dói. Foi bom tomar banho de água “fria” para variar.
A segunda paragem foi a Praia dos Tamarindos. Almoçamos num restaurante perto da praia. Quando chegámos o empregado informou-nos que o menu era de degustação e custava 15€ - o triplo do que temos pago aqui por refeição. Pensei “lá vou eu pagar um rim para ficar com fome”. Ainda ponderámos mudar de restaurante mas acabámos por ficar. O restaurante tinha muito bom aspeto, não tinha muita gente e tinha uma vista de cortar a respiração. E, em Portugal, 15 € é o preço normal para comer fora, foi uma vez sem exemplo. Valeu muito a pena! O menu incluía 2 entradas, 1 prato principal e 1 sobremesa.
Entrada 1:
abacate recheado com atum
futa pão frita
banana frita
Entrada 2:
tomate grelhado
pastel de banana pão
farinha de mandioca
batata doce com canela
ovos mexidos com folhas de micoco
Prato principal:
barracuda
arroz
legumes embebidos em vinagre
Sobremesa:
caja manga
jaca
carambola
melancia
banana maçã
cacau
côco
Provei sumo de tamarindo (é um fruto cujo formato faz lembrar um amendoim) mas não adorei por ser ácido.
Saímos do restaurante a rebolar e só queríamos ir dormir para a praia. Na praia estava a haver uma grande festa com música alta. A praia estava cheia de pessoas. Éramos os únicos brancos. Ao passar, pediam-me para tirar fotografias comigo, como se fosse uma celebridade. Andámos o suficiente até encontrarmos uma zona da praia mais tranquila e aterrrámos na areia. Dormi uma valente sesta, agarrada à minha mala.
Passadas umas horas decidimos ir ver mais umas praias. Entrámos na roça Fernão Dias e dei um mergulho. O sol estava a pôr-se, a luz estava linda. Mais uma praia paradisíca, coisa que não falta nesta ilha.
Quando estávamos a voltar para casa, ainda havia um pouco de luz e o António sugeriu irmos visitar uma vila piscatória - Micolò. Assim que estacionámos, um bando de crianças começa a correr na nossa direção. “Dá-me doce! Dá-me doce!!”, gritavam sorridentes. Do nada, ouvimos alguém a dizer “Tem pneu furado! Tem pneu furado!” olhamos para o pneu da frente da carrinha e ainda o conseguimos ouvir a esvaziar. Nesse momento o sol ja se tinha posto e estavamos rodeados de crianças e adultos daquela terra. Começaram rapidamente a tentar ajudar. Viram a nossa chave e o nosso macaco e disseram que estavam estragados e que iam buscar os deles a casa. Demoraram menos de 1 minuto. Em menos de 10 minutos o pneu estava trocado. Ainda foram buscar uma bomba manual para encher o novo pneu e disseram-nos que a nossa primeira paragem tinha de ser uma bomba para encher o resto. Ficámos muito agradecidos pela ajuda e démos-lhes parte do que tinhamos. Fomos embora dali com algum medo de que eles estivessem à espera de receber mais. O António foi a conduzir muito devagarinho. Afinal tínamos um pneu mal cheio. No caminho de volta houve um apagão. Se a iluminação da estrada aqui já não é boa, imaginem com um apagão. Apenas se via o que o nosso carro iluminava. Mais nada. Fomos parando para perguntar onde podíamos encher o pneu mas todos os sítios que nos diziam estavam fechados (era domingo à noite e vespera de feriado). Encontrámos um rapaz com, no máximo, 13 anos, muito simpático na rua que nos disse que sabia de um sítio que estava aberto e guiou-nos até lá. Não havia mais lugares no carro (já eramos 6 num carro de 5) então ele foi a correr ao lado do carro durante uns 10 minutos. Quando chegámos, o local afinal estava fechado. Em conversa com o rapaz apercebemo-nos que que tinha entendido que nós queríamos reparar o pneu, não encher. Ele sabia mesmo de um senhor que era amigo dele que tinha uma bomba a sério para encher o pneu! Disse que nos guiava até ele. Como vimos o pneu a esvasiar cada vez mais e já estávamos por tudo, aceitámos.Não queríamos fazer o miúdo correr mais, então a solução que ele arranjou foi ir sentado na janela do condutor do lado de fora do carro e fomos ainda mais devagarinho. Chegámos ao local e o rapaz ainda ficou uns 5 minutos a chamar o dono da casa. Este apareceu e finalmente resolvemos a situação. O homem que nos encheu o pneu não nos cobrou nada. Demos dinheiro ao rapaz para ele apanhar um motoqueiro de volta para casa. Entretanto a luz na cidade voltou.
Finalmente com o pneu cheio, iniciámos o nosso caminho de regresso a casa. No caminho, passámos por um bairro relativamente perigoso daqui chamado “Praia Melão”. Estavam em festa. Muita gente na estrada, não se via o caminho, só pessoas. Andávamos a 2km/h (se tanto) e passámos muito tempo parados. As pessoas pareciam não ver o carro, não se afastaram para nos dar passagem e estava mesmo muito difícil avançar. Trancámos logo as portas todas do carro e fechámos as janelas. Várias pessoas batiam no carro e metiam-se connosco. Nós só queríamos passar, não tínamos forma de saber que estava uma festa a acontecer naquele dia naquele sítio. Não podíamos avançar porque ninguém saía da frente e também não quisémos apitar porque podia ser mal interpretado um carro cheio de brancos a apitar na terra deles para sairem da frente. Fomos avançando muito devagarinho e lá conseguimos sair daquela confusão. Estávamos estafados, só queríamos chegar a casa. No entanto, tínhamos combinado com a dona do carro entregá-lo naquela noite. Ainda fomos entregar o carro. Quando finalmente estavamos em casa houve outro apagão. Não tínhamos luz em casa, mas estávamos tão cansados que fomos logo dormir e não nos fez muita diferença.
Que dia !! A Ana diz que tudo o que nos aconteceu é muito comum e vai acontecer mais vezes. Assim ficámos logo praxados. Ainda temos o problema do pneu furado para resolver com a dona do carro - temos de pagar o arranjo. Eu quero acreditar que não, mas os meus amigos desconfiam de que o pneu foi furado de propósito pelos locais de Micolò. Tudo aquilo foi muito rápido e eles estavam demasiado bem preparados. Um deles até estava a usar um colete refletor quando chegámos! (podia ser só a roupa do dia a dia dele, não sei). A verdade é que os Santomenses são muito prestáveis mas nós sentimos sempre a obrigação de pagar algo e eles estão habituados a isso. Fomos muito ajudados nesta situação (tanto pelos pescadores como pelo rapaz da rua) mas perdemos também muito mais dinheiro do que estávamos à espera. Dizem que eles ajudam com o propósito de receberem algo em troca. Eu não sei se acredito nisso. Posso estar a ser ingénua, mas ainda tenho muito tempo aqui para perceber bem a realidade.






O porta guardanapos é a semente de cacau, não é?